
É a primeira apresentadora transgénero de Cabo Verde e vai representar o país no concurso “Miss Internacional Queen”, que se realiza na Tailândia, em Fevereiro de 2021. Ao seu lado tem o namorado, com quem faz planos de constituir uma família.
Com que idade percebeu que havia algo de diferente em si?
Desde muito cedo. Mesmo em criança já sentia que era um pouco diferente das outras crianças. Sempre fui muito liberta quando me expressava, mas afirmei-me aos 16 anos.
Como foi lidar com essa descoberta?
Em 1998 achava ser a única e tal, mas depois conheci outros da comunidade LGBTI+. Mas na adolescência já não foi tão fácil, visto que nasci e cresci dentro de uma doutrina religiosa. Então tinha a questão da família e da igreja.
Quais os momentos mais marcantes nos tempos que se seguiram?
Quando me afirmei, uma vez impediram-me de entrar numa discoteca por ser quem sou. Mas já fui coroada Miss Transgénero Cabo Verde em 2017, apresentei um prémio na categoria de moda por dois anos consecutivos, na maior gala de Cabo Verde, realizei projectos meus com jovens do liceu, fui convidada para ser uma das apresentadoras do Kriola Magazine e vou representar Cabo Verde e África no MIQ2021 (Miss Internacional Queen), na Tailândia.

Já completou o seu processo de transição ou sente que ainda lhe faltam alguns passos para isso?
(risos) Ainda me faltam algumas coisas que espero realizar para o ano, se Deus quiser.
Como se tornou uma referência na comunidade LGBTI+ em Cabo Verde?
Por estar sempre ligada a campanhas e eventos, pela minha forma de ser e dar a cara a muitos trabalhos, por já ter sido miss e por ser uma mulher transgénero.
Como entrou na moda aos 16 anos?
Sabia que para me destacar tinha de fazer parte de algo com visibilidade. Também vi nisso uma forma de ser respeitada. Então comecei por fazer alguns trabalhos e participar em eventos, vídeos e desfiles. E não estava errada. (risos) Afinal acabei por ter visibilidade automaticamente, conquistando respeito e admiração das pessoas.
Nessa altura já sabia o que queria?
Sim. O que queria, o que era e onde devia ir.

Quais as maiores dificuldades que enfrentou?
A minha vida nem sempre foi complicada. Quando falo de mim as pessoas esperam por uma história de lutas e dificuldades. Mas dou graças porque a minha vida, por acaso, foi bastante fácil.
Sem problemas?
Claro que tive os meus problemas. Uma vez para conseguir um emprego foi muito difícil e senti que era por ser quem sou. Por ter trabalhado com moda e eventos as pessoas pensam que a minha inteligência e capacidade se resumia a isso das passerelles, das câmaras e dos palcos. Mas não, sei fazer tantas outras coisas, tenho domínio em tantas outras áreas e sei que muitos da comunidade LGBTI+ passaram e passam pela mesma situação.
Pode ser mais específica?
Impedem-nos de ir mais além, impedem-nos de criar e ter melhores condições, não nos dão a chance de sermos profissionais. Não é só na questão de emprego, também na área da saúde. Infelizmente o meu país é muito limitado na questão da saúde. Para nós da comunidade LGBTI+ muito mesmo. É com base nessas duas dificuldades que luto hoje para conseguir patrocínios de modo a ir ao Miss International Queen 2021 e lutar pelo título, porque sei das mudanças que vou fazer depois dessa participação. Já trabalho num projecto de nome “Transforma”, direccionado à comunidade LGBTI+.

Agora que já é conhecida, sente-se acarinhada no seu país?
Sou conhecida no meu país desde os 16 anos, mas agora a dimensão é maior. Mas sempre fui muito amada e respeitada.
Além de modelo e apresentadora tem outras actividades profissionais?
Hoje em dia sou miss, não bem modelo. Miss, apresentadora e trabalho na área de marketing publicitário e produção de campanhas publicitarias.
Tem namorado?
Tenho.
O que mais gosta nele e ele em si?
O carinho, o amor, a atenção e o cuidado que ele tem comigo. A conversa inteligente, ser brincalhão, mas também sério quando é preciso. Admira-me por ser quem sou, pela minha beleza, por muitas coisas. Ele me tem em tudo dele.

O que mais gosta nos homens?
Sou atraída por uma conversa inteligente, adoro gente que tenha uma boa conversa e com o meu bebé foi e é assim.
Casamento e filhos estão nos seus planos?
Sim, sonho desde sempre adoptar uma criança do Zimbabué, não me perguntem porquê, pois não vou saber responder. Mas já desde criança tenho a impressão que em algum canto do Zimbabué tem uma criança à minha espera. Estranho, não é? Sou ciente das dificuldades, mas sempre fui de correr atrás daquilo que idealizo. Casar-me sim, mas talvez daqui a uns cinco ou oito anos. Tenho muito ainda para fazer, como miss, com projectos e outros trabalhos.
Como lidam as pessoas com quem se relaciona quando descobrem a sua mudança de género? Isso alguma vez afectou a sua vida amorosa?
Na minha vida amorosa não, porque muitos já me conhecem perfeitamente e aqueles que não sempre fiz questão de dizer. Sou muito reservada, apesar de ser muito conhecida. Gosto de estar no meu canto e as vezes até passar despercebida, por isso não me sinto na obrigação de estar a dizer a todos que aparecerem na minha vida “oi prazer, sou a Sasha e sou uma mulher trans”. Mas quando sinto que me estou a envolver de alguma forma, acabo sempre por dizer.

Vai representar o continente africano no concurso Miss Internacional Queen, que acontece na Tailândia, em Fevereiro de 2021. O que significa estar num concurso de beleza para transexuais?
O concurso vai ser a 21 março de 2021, mas vou para Tailândia em fevereiro, se Deus quiser. Estar nesse concurso significa tudo para mim, atrevo-me a dizer até uma mudança de vida. O MIQ é considerado o maior concurso de beleza de mulheres transgénero no Mundo e já sou vencedora só por ser convidada. Prometo dar tudo de mim para representar da melhor forma e trazer o título. Vai ser a nossa vitória, não só a minha vitória, não só da Comunidade LGBTQ+, mas a vitória de Cabo Verde e África.
Qual a sua qualidade que a distingue das outras concorrentes?
Pergunta complicada. Não que julgue o tom da pele melhor que outra, mas digo que o me distingue das outras é ser negra. Apesar de já, por duas vezes, terem participado candidatas negras. Mas também por pertencer à minha boa África, pela vontade de ganhar, pela beleza, pela garra e luta.
© Sasha Montez © Sasha Montez © Sasha Montez
Quais as suas ambições?
Participar, ganhar e com isso realizar alguns projectos que para mim são muito importantes. Abrir um espaço de estética e beleza, ajudar a minha mãe com alguns sonhos dela e terminar a minha transição.
Como está a correr a experiência como apresentadora no “Kriola Magazine” ao lado de Kathy Moeda e Sandra Alicia?
A minha estreia no “Kriola Magazine” está a ser o máximo. E espero que melhor cada vez mais com os outros episódios do programa. Só tenho a agradecer a toda a equipa pela oportunidade e confiança. Sei que vamos longe.
